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Autor: Bernardo Mota, Presidente do IPLD (Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

 

“A repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal” – estas palavras estão na abertura do decreto-lei que, desde abril de 1946, proíbe essa atividade no Brasil. Quase oitenta anos depois, porém, não só a “consciência universal” deixou de lado essa tendência, a exemplo do que se vê em outros países, como o próprio Brasil tem relativizado o “imperativo”. Mantendo-se ou não a proibição, a urgência do debate é fato.

Por uma questão concreta: logo acaba o prazo estabelecido para a regulamentação da Lei no. 13.756/2018, que trata das “apostas de quota fixa”, um tipo de jogo de azar, embora menos vistoso que cassinos ou afins.

Isso pode estimular a conversa sobre a legalização dos jogos de azar. Marcado por tabus, esse setor merece ser considerado também de outros ângulos, que levem em conta seu potencial de transformações econômicas para a sociedade e de arrecadação para o Estado. Trata-se de uma discussão complexa, a começar do ponto de vista legal.

A regra (não) é clara

Do ponto de vista jurídico, há duas dificuldades imediatas. A primeira delas, ilustrada pela situação da Lei no. 13.756/2018, aprovada, mas não regulamentada, está na ausência de normas definidas para parte dessa atividade.

Isso afeta toda a cadeia. Tome-se o caso das “apostas de quota fixa”, não raro virtuais. Sem parâmetros legais para a instalação, no território brasileiro, das empresas responsáveis, elas continuam operando internacionalmente, à distância. Com isso, perde o Estado, deixando de arrecadar num mercado que opera na escala do bilhão de dólares; e perde a sociedade, que fica vulnerável. Afinal, é muito mais difícil haver uma fiscalização séria (imprescindível nesse setor) de longe, em pleno limbo normativo.

A outra dificuldade está no tabu em torno dos jogos de azar. Frequentemente moralista (como aquela vaga “consciência universal”), a interdição não impediu que uma fatia da população praticasse essa atividade, ora em viagens internacionais a países onde é permitida (como Uruguai, EUA, Inglaterra, Mônaco etc.), ora aqui mesmo no Brasil, por vias ilegais.

A oscilação entre a proibição e a pressão do mercado moldou uma tendência às “microssoluções”, as tentativas de remediar a situação em vez de esclarecê-la: pode loteria, mas não cassino; podia bingo antes, agora não pode mais; pode “aposta de quota fixa”, mas não se sabe como, etc. A internacionalização e a praticidade da internet só intensificaram o teor insustentável da excentricidade brasileira, tão incerta e tão contrastante com os países citados, onde os jogos de azar são um setor econômico altamente controlado e rentável.

Um mercado cheio de apetite – e de riscos

É preciso desfazer o limbo normativo justamente por se tratar de um mercado cobiçado, de vultosas movimentações financeiras. Ao mesmo tempo que o tornam atraente do ponto de vista do Estado, pela possibilidade de arrecadação ou pelas oportunidades que os jogos e sua cadeia econômica oferecem (geração de empregos e vinculação ao turismo, por exemplo), esse volume e esse apetite do mercado o tornam vulnerável a tentativas de lavagem de dinheiro.

É um risco, ainda mais numa situação jurídica nebulosa, mas não uma inevitabilidade. Um modelo possível para impedir ao máximo a lavagem de dinheiro em jogos de azar seria algo próximo do que se vê hoje no setor bancário. Um órgão regulador robusto, com grandes equipes, capazes de fiscalizar os envolvidos e aplicar sanções pesadas aos infratores; empresas comprometidas com o controle, a verificação e o rastreamento das informações oferecidas pelos clientes, tanto da fidedignidade de seus documentos quanto da origem do dinheiro; recursos humanos e tecnológicos para garantir a lisura de todas as etapas do processo, todos os setores da atividade. Com essas garantias, a serem definidas na regulamentação, os jogos de azar não seriam intrinsecamente mais atraentes para a lavagem de dinheiro do que qualquer outra atividade econômica.

Em última instância, cabe à sociedade decidir o status dos jogos de azar no Brasil. Talvez uma discussão ampla, com abordagens que não só a moral, mostre que eles teriam muito a contribuir para o país. Desde que tenham regras bem estabelecidas, prévias ao início do jogo e sem mudanças no seu decorrer. Regras acordadas por todos e para todos aplicáveis. Como todo jogo.

 

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