O essencial a se saber do novo Marco Legal de Câmbio e de Capitais Internacionais do Brasil.
By: Márcio Antônio ESTRELA
A realidade mudou, o marco legal de câmbio e de capitais teve de se aperfeiçoar
O aprimoramento da regulação brasileira de câmbio e de capitais internacionais vem sendo um processo contínuo, principalmente a partir da superação dos problemas de restrições de balanço de pagamentos que exigiam maior controle de divisas e que predominaram em todo o Século 20 até os primeiros anos do Século 21.
Com a superação das restrições de divisas, a acumulação de reservas internacionais e a economia brasileira mais inserida nas cadeias globais de valor, passou-se a buscar compatibilizar o marco cambial brasileiro à nova realidade para melhorar o ambiente de negócios e aumentar a eficiência do fluxo de recursos e investimentos.
Lei 14.286/2021 – a nova Lei de Câmbio e de Capitais Internacionais do Brasil
A nova Lei de Câmbio e de Capitais Internacionais foi promulgada em 29.12.2021 – Lei 14.286/2021 – e entrará em vigência em 31.12.2022.
A regulamentação infralegal da nova Lei está se dado por intermédio de processos de consulta públicas, com o BCB já tendo aberto a CP BCB 90/2022, de 12.5.2022 (encerrada em 1.7.2022), e a CP BCB 91/2022, de 19.7.2022 (encerrada em 2.9.2022).
A CP BCB 90/2022 foi composta por propostas de 4 resoluções, 2 CMN e 2 BCB:
1ª Resolução (CMN) – diretrizes sobre as operações do mercado de câmbio.
2ª Resolução (CMN)– encargo financeiro nos casos de cancelamento de contrato de câmbio.
3ª Resolução (BCB) – regulamentação do mercado de câmbio.
4ª Resolução (BCB) – definição de residência.
A CP BCB 91/2022 foi composta por 1 proposta de resolução BCB com foco em:
- Regulamentação do capital estrangeiro no País;
- Operações de investimento estrangeiro direto e de crédito externo; e
- Prestação de informações ao BCB.
O BCB emitirá em setembro uma consulta para a regulamentação das aplicações de investidores não residentes nos mercados financeiro e de capitais no País e os capitais brasileiros no exterior e tratará de forma escalonada para entrar em vigor a partir de 2023 as modificações normativas relativas às:
- operações de câmbio interbancárias;
- compensação privada de créditos;
- eliminação de prazos para liquidação de operações de câmbio; e
- novas situações previstas em relação à estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional.
O essencial para entender as mudanças do novo marco de câmbio e de capitais internacionais
Situação Anterior | Novo Marco de Câmbio e de Capitais Internacionais |
Mais de 40 dispositivos legais (alguns com mais de um século) | Um dispositivo legal, atualizado e adaptável às mudanças estruturais e conjunturais da economia |
Provisões descritivas especificando detalhes: modelos inovativos de negócio quase sempre não podem ser iniciados porque “não estão descritos” na regulação | Provisões com caráter mais principiológico que permite “encaixar” novos modelos de negócio, incentivando uma maior inovação |
Regulação não proporcional: mesma regra para todos | Regulação proporcional ao risco, porte e atividade internacional das instituições |
Operações de câmbio só por agentes autorizados | Operações de câmbio por agentes autorizados – que inclui as IPs entre os “players” – e liberadas as negociações até USD500 entre pessoas físicas, de forma eventual e não profissional |
Operações de câmbio pelos canais tradicionais | Estabelece o eFX como um “canal simplificado e com menos exigências” para prestação de operações de câmbio em situações “limitadas/de menor valor” |
Vedada a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes | Prevista a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes – |
Recursos de exportadores podem ser integralmente mantidos no exterior – mas o CMN pode estabelecer limites – com destinação restrita e sendo vedada a concessão de empréstimo de qualquer natureza, mesmo para subsidiárias no exterior | Recursos de exportadores podem ser integralmente mantidos no exterior sem o estabelecimento de limites pelo CMN e sem destinação restrita – regras alinhadas às dos recursos mantidos no exterior de outras origens |
Situação Anterior | Novo Marco de Câmbio e de Capitais Internacionais |
Mais de 40 dispositivos legais (alguns com mais de um século) | Um dispositivo legal, atualizado e adaptável às mudanças estruturais e conjunturais da economia |
Provisões descritivas especificando detalhes | Provisões com caráter mais principiológico |
Regulação não proporcional: mesma regra para todos | Regulação proporcional ao risco, porte e atividade internacional das instituições |
Operações de câmbio só por agentes autorizados | Operações de câmbio por agentes autorizados – que inclui as IPs entre os “players” – e liberadas as negociações até USD500 entre pessoas físicas, de forma eventual e não profissional |
Operações de câmbio pelos canais tradicionais | Estabelece o eFX como um “canal simplificado e com menos exigências” para prestação de operações de câmbio em situações “limitadas/de menor valor” |
Vedada a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes | Prevista a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes – |
Recursos de exportadores podem ser integralmente mantidos no exterior – mas o CMN pode estabelecer limites – com destinação restrita e sendo vedada a concessão de empréstimo de qualquer natureza, mesmo para subsidiárias no exterior | Recursos de exportadores podem ser integralmente mantidos no exterior sem o estabelecimento de limites pelo CMN e sem destinação restrita – regras alinhadas às dos recursos mantidos no exterior de outras origens |
Encargo financeiro do cancelamento de contrato de compra de moeda estrangeira sem limite pré-estabelecido e sem restrições a diferenciação de acordo com o setor produtivo e isenção até US$5 Mil | Encargo financeiro do cancelamento de contrato de compra de moeda estrangeira limitado a 100% e com proibição a diferenciação de acordo com o setor produtivo e isenção até US$10 Mil |
Apenas bancos autorizados a manter contas correntes em moeda estrangeira no exterior | As instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio (corretoras, inclusive) estão autorizadas a usar contas em moeda estrangeira no exterior para liquidar operações dos clientes |
Cliente pode ser requerido a apresentar documentos e dados, inclusive os que já constem dos bancos de dados das instituições autorizadas ou que estiverem disponíveis em bases de dados públicas e privadas de acesso amplo | Proíbe a exigência de documentos e dados que já constem dos bancos de dados das instituições autorizadas ou que estiverem disponíveis em bases de dados públicas e privadas de acesso amplo |
Valor para declaração no ingresso/saída do Brasil: R$10 Mil | Valor para declaração no ingresso/saída do Brasil: US$10 Mil |
Contas em moeda estrangeira no Brasil restritas a poucas situações e investimentos a partir destas contas limitados | Contas em moeda estrangeira no Brasil podem ser autorizadas pelo BCB – até às pessoas físicas – sem restrições aos tipos de investimentos a partir destas contas |
Estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional limitada a poucas situações | Amplia as situações nas quais se pode estipular o pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional e delega ao CMN as possibilidades de expandir a autorização, se mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio |
Proibido a instituições financeiras aplicar ou promover a colocação no exterior de recursos captados no Brasil | Permite a aplicação no Brasil e no exterior dos recursos captados no Brasil e no exterior |
Exigência de documentação subjacente para toda operação de câmbio | A instituição autorizada, conforme sua avaliação, pode dispensar documentação subjacente |
Enquadramento cambial é responsabilidade da instituição autorizada. | Enquadramento cambial é responsabilidade do cliente |
Cerca de 200 códigos cambiais | Proposta da CP BCB 90/2022: 10 códigos nas operações de até US$50 mil; 30% de redução na quantidade de códigos nas operações acima de US$50 mil |
Todas as operações de crédito externo devem ser registradas no sistema ROF, inclusive importação financiada a partir de 360 dias | Proposta da CP BCB 91/2022: estabelece limites a partir dos quais as operações de crédito externo devem ser informadas para US$1 Milhão (empréstimos; recebimento antecipado de exportação) e US$500 Mil (importação financiada a partir de 180 dias) |
Todos os fluxos de IED devem ser registrados no sistema RDE-IED | Proposta da CP BCB 91/2022: estabelece limite de US$100 Mil a partir dos quais os fluxos de IED devem ser informados |
Declarações de estoque de IED devem ser prestadas a partir de R$250 Milhões (declaração trimestral); US$100 Milhões (declaração anual); e qualquer valor (declaração quinquenal) | Proposta da CP BCB 91/2022: altera os limites a partir dos quais as declarações de estoque de IED devem ser prestadas para R$300 Milhões (declaração trimestral); R$100 Milhões (declaração anual); e R$100 Mil (declaração quinquenal) |
Elaboração: “Starnet Estrela – Consultoria & Treinamento em Regulação”. |
A nova Lei Câmbio e de Capitais Internacionais funciona mais como uma “Ponte para o Futuro”
A Lei 14.286/2021 é um grande avanço, mas será a sua regulamentação que definirá se haverá efetivo avanço no arcabouço normativo de câmbio e capitais brasileiro.
Esse processo envolve grandes expectativas, mas também riscos de frustrações. Expectativas de substancial aperfeiçoamento das normas de câmbio e capitais com maior liberalização e simplificação de procedimentos; riscos de predomínio do perfil conservador do BCB na emissão das novas regulações, com alterações apenas marginais e pontuais.
As propostas de regulamentações da Lei estão se baseando nas redações consagradas das normas anteriores, o que colabora para uma rápida adaptação do mercado ao novo marco legal, mas prejudica o estabelecimento de mudanças mais inovativas que já seriam possíveis. “Quando ‘o novo’ se baseia muito ‘no velho’, ‘o velho’ permanece vivo ‘no novo’: o que deveria ser inovativo, acaba sendo menos do que poderia ter sido!
Não se tem (ainda) mudanças mais “profundas”: tem-se mudanças “mais conservadoras” imediatas com possibilidades de mudanças “mais profundas” no médio-longo prazo.
Em 2023 entrará em vigor o novo marco de câmbio e de capitais internacionais. E a partir daí?
A necessidade de acompanhamento para a defesa das especificidades dos diferentes setores do mercado de câmbio não terminará com o encerramento das Consultas Públicas nem com a entrada em vigor da Lei 14.286/2021.
- A partir desta Lei 14.286/2021, grande parte das mudanças no arcabouço cambial passará a ser feito por via infralegal (Resoluções CMN e BCB) e estas poderão estabelecer flexibilizações, condicionantes ou limitações para o mercado de câmbio que afetem diferentemente os “players”.
A interlocução constante com o BCB – diretamente ou por meio de suas associações representativas – terá de ser “o novo normal” para assegurar que as especificidades dos diferentes setores do mercado cambial sejam sempre consideradas nas futuras normas de câmbio e de capitais internacionais.
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